Criptojudaísmo em Buíque

Famílias de Origem Judaica e o criptojudaísmo em Buíque: História de Resistência e Cultura

Buíque, uma pequena cidade no interior de Pernambuco, guarda em suas raízes uma história peculiar e fascinante. Por trás dos sobrenomes como Camelos, Almeidas, Carvalhos, Tenórios e Ramos, encontra-se a presença de famílias de origem judaica que, ao longo dos séculos, mantiveram a prática do criptojudaísmo discretamente distante dos olhares catolicistas. Além disso, alguns membros dessas famílias estiveram envolvidos em ações revolucionárias de cunho antimonárquico, como na Confederação do Equador e na revolução iniciada pelo tenente Cleto Campelo em 1930.

A Prática do Criptojudaísmo:

Durante períodos de intolerância religiosa, muitos judeus foram forçados a se converter ao catolicismo. Mas alguns encontraram maneiras de manter sua fé em segredo, praticando o chamado criptojudaísmo. Em Buíque, essas famílias mantiveram vivas algumas tradições e rituais judaicos em segredo, preservando elementos preciosos de sua herança religiosa e cultural. Embora os detalhes específicos dessas práticas não sejam amplamente conhecidos, sabe-se que rezas, rituais de iluminação de velas e outras tradições judaicas eram realizadas discretamente, longe dos olhos católicos dominantes na região.

O Envolvimento em Movimentos Revolucionários:

Surpreendentemente, membros dessas famílias judaicas em Buíque também estiveram envolvidos em movimentos revolucionários contra a monarquia. A Confederação do Equador, ocorrida em 1824, e a revolução liderada por Cleto Campelo são exemplos notáveis dessas ações. Essas famílias, mesmo praticando o judaísmo em segredo, compartilhavam o desejo de mudança e liberdade, lutando contra as estruturas monárquicas opressivas que prevaleciam na época.

A Prática Religiosa e as Relações com os Escravos Fugidos:

Além de suas atividades revolucionárias, as famílias judaicas de Buíque mantinham laços estreitos com os escravos fugidos que habitavam a região do Fasola e Mundo Novo. Alguns desses antigos escravos, provenientes da África, vieram de lá já como adeptos do judaísmo, influenciados pelos povos árabes com quem tiveram contato em suas terras de origem.

Houve entre os povos escravizados, príncipes e guerreiros, lideranças reduzidas a meros servis. Mas que tinham amplo conhecimento das práticas religiosas que influenciava diretamente em sua arte e cultura.

Essas conexões transcenderam as diferenças sociais e raciais, permitindo que a comunidade judaica em Buíque compartilhasse sua fé e tradições com aqueles que buscavam liberdade e identidade cultural. A religião era algo em comum para muitos e isso criou uma espécie de trégua que condicionava aos quilombolas e senhores brancos de terras o reconhecimento territorial de cada um, onde quilombolas não invadiam as terras dos brancos e os brancos não invadiam as terras em que viviam os quilombolas. Uma relação trabalhista semelhante a de patrão e empregado havia entre eles, cujo salário consistia para alguns, na troca de mão-de-obra por alimento. Alguns escravos fugidos, preferiam tirar sustento das matas, transformavam a madeira em carvão e as vendia ou trabalhavam na colheita de milho, feijão, frutas, raízes e na produção de farinha.

A Misteriosa “Reza na Estrela”:

Entre os costumes e práticas judaicas presentes em Buíque, tinha-se conhecimento de uma reza misteriosa chamada “reza na estrela”. Essa prece, de origem judaica, era voltada para a mesma estrela venerada pelo pai de Graciliano Ramos, como descreve o escritor em seu livro “Infância”. Essa reza, além de ser praticada pelas famílias brancas da região, também era conhecida entre os quilombolas, reforçando a interação cultural entre esses grupos.

Infelizmente, boa parte da história das antigas famílias buiquenses acabou sendo enterrada juntamente com a memória daqueles que se importava com o legado dos mais antigos. Com eles também se foram os símbolos, as crenças foram se dissolvendo em resquícios distantes que apontam para algo ricamente possível. Porém, pobremente atestável por fragmentos que o tempo apagou.

O pouco que se sabe advém de poucas imagens, depoimentos e costumes que apesar do tempo, perdura sem que muitos saibam dizer o porquê de serem mantidas certas práticas. Estas que acompanham algumas famílias há gerações. A existência da “reza na estrela” ecoa a conexão espiritual e cultural que transcendia fronteiras étnicas e sociais. Essa remete à diversidade cultural presente nas raízes do Brasil e a importância de se preservar e valorizar essas narrativas históricas que acabaram por moldar a sociedade.

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Publicitário, fotógrafo e pesquisador da história buiquense.

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