Jararaca

Jararaca – o cangaceiro buiquense

Natural de Buíque-PE, nascido em 05 de maio de 1901. José Leite de Santana, ingressou no Exército brasileiro em 1921, em Maceió, Alagoas. Destacou-se por suas habilidades ao manusear o fuzil, sua boa pontaria e agilidade no ataque e contra-ataque durante os exercícios. Logo foi transferido para o Rio de Janeiro, onde foi incorporado ao 3º Regimento da Infantaria, localizado na então capital da república, durante o período de ordenança do Coronel Antônio Francisco de Carvalho.

Saiu do Exército mas retornou brevemente pelo 1º Regimento da Cavalaria Divisionária e esteve presente durante parte da revolução constitucionalista de São Paulo, em 1924. Foi membro da Coluna Potiguara onde participou da perseguição dos rebeldes no Rio Grande do Sul. Logo pediu baixa e retornou para o interior de Pernambuco. Em 1926, entra para o cangaço como líder de um grupo. Ganhou fama e respeito até mesmo do rei do cangaço, que o tinha como um grande aliado durante as investidas dos dois bandos. Durante a investida contra a cidade de Mossoró-RN, Jararaca e os seus cangaceiros estavam dando suporte ao bando de Lampião.

Sua personalidade voraz, rendeu-lhe o apelido de Jararaca entre os cangaceiros. Porém, apesar da fama voraz, houve momentos em que o cangaceiro demonstrou-se piedoso. Ezequiel Ferreira, irmão mais novo de Lampião tinha o apelido de Ponto-fino, graças a sua excelente pontaria com a arma. A ele atribui-se a morte do subdelegado e fundador de Canhotinho do feijão – hoje Santa Helena-PB. Lampião puxou um punhal cuja lâmina tinha 75 centímetros de comprimento, com intuito de extrair o filho do morto, do ventre de sua esposa, dizendo querer ver “a cara do filho de um macaco saído das entranhas”. Jararaca teria evitado que Lampião cometesse tal barbárie.

Carta escrita por Lampião e combatentes de MossoróEm 12 de maio de 1927, a população de Mossoró-RN, preparava-se para a invasão do bando Lampião que ocorreria no dia seguinte. A notícia foi recebida via telégrafo e lampião chegou a escrever de próprio punho, um bilhete ao prefeito solicitando dinheiro para não invadir a cidade. Em resposta, o prefeito enviou de volta o recado de que não tinha como pagar a quantia solicitada e que a cidade estava preparada para recebê-lo. Os cidadãos que não podiam lutar (crianças, mulheres e idosos) foram transportados para fora da cidade com destino a Areia Branca com ajuda de trens. O plano do prefeito Rodolpho Fernandes que estava em seu segundo ano de mandato, era encurralar o bando, enfrentando-o e evitando assim, que a população fosse saqueada.

Os observadores da Igreja de S. Vicente puderam certificar-se de que era, realmente, o bando de Lampião a caminhar, no Alto da Conceição, já dentro da área urbana. Mas não conseguiam perceber todos os lances da marcha dos cangaceiros. O céu, carregado de nuvens de chuva, estava bastante escuro, impedindo à luz solar revelar maiores detalhes daquela caminhada de terror. Caso contrário, teriam eles visto e ouvido a euforia dos cangaceiros. Empunhando armas modernas, de alto poder ofensivo, eles passavam pelo Alto da Conceição entoando Mulher Rendeira, uma espécie de canção de guerra, própria dos cabras de Lampião, cujos versos tinham poder de incutir-lhes maior ardor combativo e, assim, torná-los mais agressivos e temíveis. (ALMEIDA, 1981, p. 52)

A música era puxada por um garoto de 15 anos, integrante do bando conhecido pelo sobrenome de família “Oliveira”, mas tratado entre os cangaceiros como “menino de ouro”.

Palácio da Resistência - Mossoró-RNOs grupos comandados por Jararaca e Sabino Gório, tentavam assaltar a residência do prefeito (atual sede da chefia executiva municipal), hoje conhecido como Palácio da Resistência. Fardos de algodão (principal produto de exportação na época) protegiam a residência e os principais pontos de defesa no centro da cidade. No meio do tiroteio, o cangaceiro Colchete tentou revidar atirando uma garrafa com gasolina sobre os fardos para incendiá-los, mas foi atingido fatalmente.

Era 13 de maio de 1927 (dia de Santo Antônio), uma forte chuva caiu na cidade, atrapalhando a investida dos cangaceiros. Colchete, cangaceiro ousado, seguiu debaixo de uma chuva de balas contra uma barricada, mas foi fatalmente atingido. O buiquense José Leite de Santana, vulgo “Jararaca” – durante o tiroteio tentou resgatar o fuzil e demais pertences do cangaceiro alvejado com um tiro certeiro. O projétil entrou por um olho e saiu pela nuca; seu corpo ficou no meio da praça central.  A autoria do disparo é atribuída a Manuel Duarte que usava um winchester calibre 44; homem de boa pontaria que se encontrava na platibanda da residência do prefeito.

O código de ética dos cangaceiros permitia que em caso de morte, o mais próximo cangaceiro poderia tomar posse de seus pertences. Jararaca arriscou-se e na tentativa acabou baleado nas costas, pelo mesmo homem que acertara Colchete. Jararaca caiu em forma de cruz sobre o corpo do companheiro. Passados alguns minutos, tendo recobrado os sentidos e na tentativa de escapar, recebeu outro tiro na perna.

Sabino Gório era o homem da vez e partiu para pegar os pertences de Colchete. A atenção de Manuel Duarte (o bom atirador) estava voltada para o novo atrevido; o que fez Jararaca ganhar tempo. Arrastando-se, conseguiu sair da linha de tiro. Sabino, por pouco não foi morto por um tiro que arrancou o chapéu de sua cabeça.

Jararaca, ferido – pediu ajuda aos companheiros Sabino e Massilon. Mas, todos estavam preocupados em salvar-se. Enquanto isso, a volante (policiais) chegava em Mossoró, a mando do Governador João Suassuna e sob o comando do sargento Quelé – ex-cangaceiro conhecido pelo vulgo “Tamanduá Vermelho”.  O combate durou cerca de uma hora e meia. O cangaceiro ferido refugiou-se nas proximidades da estrada de ferro, enquanto o bando de lampião partia em retirada na direção de Limoeiro do Norte-CE.

No dia seguinte, ferido – Jararaca pediu ajuda a um homem que o encontrara, tendo ouvido gemidos de alguém que sentia dor.

Mostrando-lhe o bornal, que era também sua caixa-forte, Jararaca prometeu ao desconhecido pagar-lhe generosamente, se ele encontrasse em algum lugar e lhe viesse trazer um pouco de água, sal de cozinha e pimenta malagueta. E também um canudo de mamoeiro. Com esses ingredientes, ele pretendia, por suas próprias mãos, limpar os ferimentos por fora e por dentro – e apontava para a perna esquerda e o peito direito, onde as vestes estavam grudadas no corpo, tintas de sangue, de mistura com areia e outras sujeiras da caminhada de arrasto pelo chão. Com o sal e a água Jararaca pretendia remover da parte externa dos ferimentos a crosta de sangue coagulado e areia que se formara. O canudo de mamoeiro teria a finalidade mais importante. Serviria para bombear até o interior das feridas, até as células mais profundas dos tecidos lacerados, uma solução medicamentosa preparada por ele mesmo com pimenta malagueta espremida na água. Jararaca espremeria com ela o canudo de mamoeiro e, depois, sopraria com força, para que o líquido atingisse a parte mais profunda das crateras deixadas pelas balas em seu pulmão direito e na coxa esquerda. Por mais de uma vez, ele e seus companheiros já haviam utilizado com êxito esse método de tratamento para ferimentos à bala. (ALMEIDA, 1981, p. 74).

O homem retornou com a polícia que levou o cangaceiro preso. Na cadeia, recebeu atendimento médico a pedido do prefeito. Um dos soldados da volante do sargento Quelé, após arrancar-lhe um cordão de ouro, quase arranca também um dedo do cangaceiro com um punhal por não conseguir tirar-lhe um anel de ouro – sendo este impedido pelo médico.

Interrogado por um jornalista local – Lauro da Escóssia – informou que Lampião pretendia conseguir 400 contos de réis para comprar a polícia de Mossoró. Perguntaram-lhe ainda sobre os riscos contidos em sua arma, eram contagens de pessoas que havia tirado a vida. Em resposta, Jararaca disse que era tudo mentira e que nunca havia tirado a vida de ninguém. O cangaceiro em alguns instantes de dor aguda, pedia o canudo de mamoeiro e a pimenta para sarar os ferimentos.

O mesmo recebeu transferência para o presídio da capital, ordenada por Juvenal Lamartine de Faria. jararaca saiu do presídio de Mossoró às 23h do dia 18 de maio de 1927. Na saída, avisou que havia deixado sua alpercata na cela e em resposta disse o oficial para não se preocupar, pois na capital ganharia um “lindo sapato envernizado”.

Na madrugada do dia 19 de maio o cangaceiro de 26 anos foi levado na viatura, escoltado pelo destacamento local. Deveria seguir para Natal-RN. Mas, da delegacia seguiria para o cemitério de Mossoró. Ordenaram-lhe que descesse do veículo e logo foi puxado para receber as apunhaladas que lhe tiraria a vida.

“Vocês querem me matar. Mas não vão me ver chorar de medo não. Nem pedir de mãos posta pra não me tirarem a vida. Vocês vão ver como é que morre um cangaceiro.”

Jararaca foi atingido por uma coronhada na nuca, depois perfurado por uma facada no pescoço – golpes desferidos pelo soldado João Arcanjo. O último golpe fez o cangaceiro urrar. Morto ali mesmo, fora enterrado.

Boatos de que antes de morrer o cangaceiro teria clamado por Nossa Senhora, criou no imaginário popular a imagem de um criminoso arrependido e, com a morte viera sua conversão, de bandido perigoso, passou a ser visto como santo fazedor de milagres.

Tempos depois, criou-se uma espécie de romaria no cemitério de São Sebastião que perdura até os dias atuais. O cangaceiro morto sem o direito de ser julgado e o boato que erroneamente se espalhou dando-lhe a controversa aura de santo, faz de seu túmulo um dos mais visitados no dia de finados.

A igreja de Mossoró, ignora o fenômeno “Jararaca” (com razão) – pessoas de camadas mais pobres acendem velas à base de seu túmulo e torcedores de times de futebol como Botafogo e Corinthians repetem o gesto em agradecimento a vitórias conquistadas pelos times. Apesar de comprovações relatadas em confissão pelos policiais que estiveram na noite em que o cangaceiro foi morto, há quem prefira promover a Antonio Leite de Santana, o título de santidade.

Rodopho FernandesO túmulo do prefeito Rodolpho Fernandes, responsável pela investida que protegeu a cidade contra a invasão do bando de cangaceiros é pouco visitado quando comparado ao de Jararaca. Porém, os cidadãos de Mossoró, reconhecem a atitude heroica do prefeito (natural de Portalegre/RN). Rodolpho tinha saúde frágil, faleceu em 11 de outubro de 1927, quatro meses após a investida e antes de concluir seu mandato. O nome do prefeito foi dado a antiga praça 6 de janeiro, em sua homenagem. Outra homenagem partiu do povoado de São José dos Gatos que pela Lei Estadual nº2763, desligou-se do município de Portalegre e recebeu o nome de Rodolfo Fernandes.

Sob hipótese alguma, alguém imaginaria que a morte de jararaca o levaria para outra margem da história. Assim, o cangaceiro conhecido pelo temperamento explosivo e que recebeu do próprio Lampião um pseudônimo associado a um animal peçonhento, partiu da insanidade para virar santo em seu próprio mausoléu; na única cidade que conseguiu o feito de expulsar à bala o rei do cangaço e seu bando.


Para quem aprecia poesia com tema “cangaço”, serve como complemento do texto acima esta intitulada: “Jararaca, a cobra que virou santo”.


Referências:

  • Cardoso, José Romero de Araújo. Notas para a História do Nordeste. João Pessoa: Ideia, 2015. 119p.
  • Almeida, Fenelon. Jararaca: o cangaceiro que virou santo. Recife; Editora Guararapes, 1981. 91p.
  • Nascimento, Geraldo Maia, 13 de junho de 1927 – O dia em que Lampião atacou Mossoró. Blog do Gemaia. Disponível em: http://www.blogdogemaia.com/detalhes.php?not=945, acessado em: 22.06.2018
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Publicitário, fotógrafo e pesquisador da história buiquense.

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